Vamos Falar sobre o luto – Email para Janete

Vamos Falar sobre o luto - Email para Janete

O irmão da Janete foi assassinado há um ano e ela nos pede palavras para lidar com um luto marcado por saudade e revolta. Quem responde é Erika Pallottino do Instituto Entrelaços: “ao saber que, dor e amor podem ocupar o mesmo espaço, se alternando constantemente, você poderá restaurar um pouco o domínio das suas emoções e como as sente”

 

Todos os dias recebemos emails na nossa caixa de entrada e procuramos responder a cada leitor com o máximo de carinho e atenção. Entendemos como nossa missão ouvir os relatos e, na medida do possível, ser útil àquele que nos escreve… ainda que seja enviando nossas preces e um abraço. Mas às vezes não sabemos o que responder de imediato e vamos buscar, dentro do nosso grupo ou com a ajuda de parceiros, as melhores palavras.

No começo do mês, recebemos uma mensagem da Janete – que perdeu o irmão há um ano, assassinado durante um assalto – e perguntava se havia algum texto para acalmar o coração de quem perdeu alguém em uma morte violenta. Ficamos sem palavras e foi aí que a psicóloga Erika Pallottino, cofundadora do Instituto Entrelaços no Rio de Janeiro, especialista em luto, entrou em cena. A nosso pedido, ela respondeu o email da Janete – e acabou trazendo palavras importantes para outras famílias enlutadas a partir de uma tragédia como a dela e também para o nosso próprio aprendizado. Dividimos aqui com todos o email da Janete e da Erika. A primeira, que já leu o conteúdo antes da nossa publicação, respondeu: “Agradeçam a Érika por ter respondido tão lindamente meu email. Me emocionei e percebi que estou no caminho certo.”

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Olá, boa noite.

Me chamo Janete e, após a morte do meu irmão, encontrei vocês na internet. Li textos que me acalentaram e me deram aconchego. A morte do meu irmão foi trágica: ele foi assassinado, um tiro no peito durante um assalto. Procurei algo assim no site, essa dor de quem sofreu quando alguém arranca da vida da gente quem a gente ama, essa maneira brutal. Junto vem a revolta, saber que quem tirou a vida do meu irmão pode estar cometendo outros crimes, uma pessoa que desestabilizou uma família inteira. A raiva se mistura à saudade de uma maneira estranha. Só o amor que predomina quando penso exclusivamente na relação que tenho com meu irmão… Enfim, queridas… Tem algum texto, alguma leitura, algum “respira, mulher” que vocês possam me indicar?

Muito obrigada, Janete

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Prezada Janete,

Mortes trágicas e violentas parecem ser ainda mais desafiadoras para o nosso sistema emocional. Os lutos tendem a ser violentos e intensos, a expressão emocional pode ganhar força e intensidade pelo senso de injustiça que acompanha esses processos, e que parece potencializar o sofrimento gerado pela perda. Você apresenta questões e dores de várias ordens: a morte brutal do seu irmão, a raiva e a revolta pela justiça não ter sido feita e a desorganização familiar pelo impacto causado pelo luto . A morte do seu irmão parece ter descarrilado diversas outras mortes. Talvez, por isso, a expressão tão profunda e intensa do seu sofrimento.

No entanto, no mesmo texto que você fala da força da sua dor, você cita a força do amor que existe entre vocês, do conforto que sente, de forma exclusiva e protetora, quando consegue focar no vínculo com o seu irmão. O que você nos diz com isso, é que consegue se conectar com o horror, com a raiva, com a dor, mas também com o amor, com a proteção e com as lembranças que apaziguam.

Como psicóloga que trabalha exclusivamente com pessoas enlutadas posso te dizer que essa paradoxal oscilação faz parte do seu trabalho de luto, da busca pelo entendimento do que houve com você e com toda a sua família depois que o seu irmão foi morto. Em alguns momentos, a dor é acionada fortemente, e com ela, todos os sentimentos difíceis parecem se acender. Quando isso acontecer, cuide da sua dor, autorize o seu pesar, lamente e chore profundamente a perda do seu irmão. No entanto, quando o amor tomar a frente e se fizer presente, aproveite-se dele também. Crie espaços de agradecimentos, realize rituais que possam fortalecer o vínculo entre vocês, acesse as lembranças de conforto, sorria lembrando de momentos que viveram juntos. E por que não? Converse com ele, fale mentalmente como se ele pudesse te escutar, diga as coisas que gostaria de dizer, busque um diálogo que apazigue o seu mal estar. Quem sabe, não serão esses momentos de calmaria e disfarce da raiva que lhe ajudarão a se sentir mais inteira e apropriada para encontrar formas de amparar a sua família, e aos poucos, ir ressignificando a tragédia que se abateu sobre todos vocês.

Ao saber que, dor e amor podem ocupar o mesmo espaço, se alternando constantemente, você poderá restaurar um pouco o domínio das suas emoções e como as sente.

Penso que uma leitura que pode te ajudar a entender um pouco melhor do processo de luto tão intenso que tem vivido, é o livro de autoria de Colin Murray Parkes, grande especialista no tema do luto, que se chama Luto – estudos sobre a perda na vida adulta. Esse livro poderá facilitar o seu entendimento sobre os muitos afetos e sensações que hoje te acompanham. Talvez a leitura possa te trazer melhor entendimento sobre o seu processo, sobretudo, equilíbrio emocional, além de lhe ajudar no resgate do senso de controle, que fica tão empobrecido quando enfrentamos lutos traumáticos e agudos.

 

Um abraço, Erika Pallottino

 

(Esse texto foi originalmente publicado no site Vamos Falar sobre o Luto e tive a honra e o privilégio de escrever essa resposta à Janete . http://vamosfalarsobreoluto.com.br )

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